A princípio, com todo o avanço tecnológico dos últimos anos, um dos canais de vendas que mais expandiram foi o mercado de ecommerce. Por outro lado, no mundo, esse mercado já tinha uma aceitação por grande parcela da população, até pela maturidade de compras por catálogos. Ao mesmo tempo no Brasil, por uma resistência talvez mais psicológica, esse canal apesar do crescimento recente, não encontrava um nível de aceitação que justificasse fortes investimentos ou estruturações mais radicais. Ou seja, as lojas virtuais eram utilizadas mais como meios de visibilidade e comunicação do que de operação.
De acordo com o artigo sobre Tendências Tecnológicas, postado aqui na Revista da Carreira, essa plataforma tecnológica já se mostrava com uma forte tendência de crescimento. Ao mesmo tempo, durante a pandemia não houve alternativa, o único modo de canalizar as vendas, devido a restrição de mobilidade e o isolamento social, foi exclusivamente pela internet.
Dessa forma, a necessidade foi maior do que a resistência pscicológica, o que fez as empresas a realizarem investimentos, meio que às pressas, em desenvolvimento de canais próprios ou de parceira com marketplaces.
Dados interessantes do mercado de ecommerce
Em matéria publicada em fevereiro de 2020, no site do ecommercebrasil.com.br, a previsão para este ano era de que o mercado de ecommerce poderia chegar a R$ 106 bilhões. De acordo com a Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm), isso seria impulsionado pela expansão das compras pelos smartphones, os marketplaces e as microempresas. Assim, deste montante, 38% viria dos markeplaces e 37% das transações via smartphones.
De acordo com informações do site ecommerce.com, em 2018, o setor movimentou aproximadamente R$ 53,2 bilhões, representando um crescimento de 12% em relação a 2017. Em 2019, apesar de um cenário econômico instável no Brasil, o canal faturou R$ 61,9 bilhões, ou 16% mais em relação a 2018.
No ranking dos itens mais pedidos, na pesquisa realizada pela ebit/Nielsen, em 2018, a categoria de perfumaria, cosméticos e saúde passou a liderar com 16,4% de participação. Em contrapartida, a categoria com o maior tícket médio, foi eletrodomésticos com R$ 1.158,00/compra, muito longe dos R$ 108,00/compra do líder em pedidos.
Em suma, o faturamento e os pedidos aumentaram em 2019, porém o valor médio do ticket foi menor: passou de R$ 434 para R$ 417, queda de 3,9%.
Impactos da Pandemia
De acordo com artigo publicado na Revista News, que até o final de maio, no cenário analisado, destacaram-se os seguintes setores com os respectivos aumentos, em comparação ao início da pandemia:
Setor | Variação % |
Eletrônicos | +136,72% |
Moda | +95,27% |
Casa & Móveis | +85,39% |
Pet | +65,56% |
Comida | +61,40% |
Turismo | -79% |
Então, considerando todas as categorias de produtos, somente até o final do mês de maio, o mercado de ecommerce nacional apresentou um crescimento em vendas da ordem de 51%, em relação ao mesmo período em 2019.
Se até 2018, este mercado já possui 58,5 milhões de compradores ativos, com a pandemia este número dever crescer bruscamente em 2020, já que os fatores de resistência foram vencidos pela necessidade. E com esta barreira psicológica vencida, os impactos futuros são extremamente positivos para este canal.
Assim, praticamente em todos os setores existem estruturações ou ampliações das plataformas para comercializar produtos virtualmente. Importantes players do varejo, identificaram na estruturação de marketplaces, a oportunidade não somente para expandir suas vendas, mas também ganhar com a venda de micro e pequenos negócios. Um bom exemplo disso é o Magazine Luíza.
Ao mesmo tempo que tomamos ciência dos resultados alcançados neste mercado, nos últimos anos, a Tabela 2 exemplifica a dimensão do impacto da pandemia. Igualmente na tabela, verifica-se as informações relativas ao número de visitas às lojas virtuais dos 5 maiores players do varejo respectivamente, em nível nacional, durante este período de isolamento social:
Nome da loja | Categoria | Número de Acessos (milhões) |
Mercado Livre | Grande Varejo | 253,134 |
Americanas | Grande Varejo | 139,644 |
Amazon | Grande Varejo | 85,810 |
Magazine Luiza | Grande Varejo | 71,940 |
Casas Bahia | Grande Varejo | 69,566 |
Estruturar uma operação de Ecommerce não é simples
A princípio em condições normais de “temperatura e pressão” a estruturação de uma operação de ecommerce não é tarefa fácil e nem rápida, requer organização estratégica e muito planejamento.
Antes de mais nada, as áreas de Operação e Logística, são as responsáveis pela organização dos processos necessários após a formalização dos pedidos de compra por parte dos clientes. Embora estejam servindo de apoio a um canal de venda virtual, a natureza desses processos são muito mais “físicos” do que virtuais.
Dentre os processos necessários para que os produtos e serviços sejam entregues, encontram-se:
- Atendimento ao cliente;
- Gerenciamento de estoques e gestão de fornecedores;
- Gestão de transportes e tabelas de fretes;
- Embalagem, conferência de pedidos e expedição;
- Fluxo de pedidos;
- Logística reversa;
- Gestão de equipe (competências e habilidades, procedimentos, funções, atribuições).
Todos estes processos trabalham com uma diversidade de variáveis que se não forem bem dimensionadas e, principalmente, planejadas podem contribuir fortemente para uma ineficiência indesejada.
Planejamento e Estratégia
De antemão, durante a pandemia a maioria das empresas, principalmente os varejistas, se viram obrigadas a iniciar o processo de transformação digital, principalmente das operações de vendas virtuais. Mas o fato é que a maioria ainda não havia maturado de forma razoável a estratégia das operações de ecommerce, de forma que adquirisse escala e envergadura para sustentabilidade de médio e longo prazos.
Ao mesmo tempo, pode-se dizer que tudo foi meio emergencial e de curto prazo, pensando basicamente o que poderia ser feito amanhã para canalizar as vendas e reduzir ao máximo o impacto dos fechamentos das lojas físicas.
Obviamente que isso tem um preço, e por vezes alto demais para pagar. Mas nada que não possa ser resolvido, e que o caminho é o planejamento estratégico para que esta transformação digital amadureça e se encaminhe para a sustentabilidade digital. Talvez este seja o verdadeiro desafio atual para a maioria das empresas.
Afinal para quem já havia iniciado o processo de transformação digital de suas operações, a pandemia representou uma grande oportunidade para escalar os negócios. Apesar de ser um evento totalmente imprevisto, os números comprovam esse lado benéfico da pandemia para o mercado de ecommerce, em nível global. Em pesquisas, realizadas recentemente, mostram que entre março e maio de 2020, 10% dos compradores no canal eram compradores iniciantes. Sendo assim, isso demonstra uma tendência consistente na superação das resistências técnicas e psicológicas ao canal de ecommerce, e alimenta a visão estratégica das empresas.
Então, com relação às operações das empresas, estas devem ser reavaliadas, desde sua cadeia logística de fornecimento, quanto à produção e distribuição. Assim, se não houver um planejamento sistêmico, as soluções criadas de forma emergencial podem se transformar em possíveis pesadelos operacionais.
As armadilhas
De acordo com Cristiano Cristofolini, em artigo no site ecommercebrasil.com.br, os principais problemas das operações do mercado de ecommerce residem nos seguintes problemas:
- Falta de conhecimento real do estoque;
- Falta de capacidade na área de expedição de pedidos;
- Fragilidade na capacidade das empresas de transporte para realizar a logística de entrega;
- Capacidade de produção reduzida pelo impedimento de mobilidade ou restrição sanitária;
- Reduzido contato com o cliente, e portanto uma maior exigência de estabelecer novas formas de contato;
- Formas claras e confiáveis para solução de problemas de clientes.
As armadilhas listadas potencializam verdadeiros pesadelos operacionais para as equipes em diferentes áreas da empresa, porém não são problemas exclusivos do Brasil. No site ecommercenews.pt, a jornalista Mafalda Santos, descreve problemas muito semelhantes ocorridos no mercado de ecommerce português, que também se beneficiou de um crescimento exponencial durante o período agudo da pandemia. E resumiu bem, muitas empresas “colocaram o carro na frente dos bois.”
Um case real
Para exemplificar as armadilhas vou citar aqui o exemplo da Wöllner, uma marca de expressão no mercado da moda carioca, principalmente. De acordo com o CEO da empresa, Giuliny Shauer, que definiu o problema como “Vender demais também é uma gestão de crise”, em post publicado no Linkedin.
Ao mesmo tempo em que foi afetada pela pandemia, a empresa implantou a estratégia bem sucedida da transformação digital, focada em fortalecer o canal de ecommerce, e que garantiu um aumento substancial nas vendas.
Porém, não basta implantar. A estratégia deve colaborar com os objetivos e sempre que se alcança um resultado positivo, logo em seguida coloca-se novos objetivos e novas metas. Tudo como manda o figurino, mas como se diz em planejamento: “planejar não é garantia de sucesso, mas não planejar é garantia de fracassos”.
Assim, ao buscar-se alcançar as metas de vendas impostas, montaram uma estratégia promocional, que apoiasse os objetivos desejados. Estratégia colocada em prática, equipes a postos. Vendas a mil km por hora! E as regras e promessas de entregas estabelecidas.
Nunca venderam tanto em tão pouco tempo! Pesadelo!
As soluções buscadas pela empresa
Se o indicador venda funcionasse isolado, o resultado seria ótimo. Mas não é assim, um indicador positivo não pode contribuir para negativar outro indicador. Com a estrutura de trabalho em rodízio, capacidade de produção e de fornecimento reduzidas, os atrasos foram inevitáveis. O indicador de satisfação dos clientes entrou no negativo com atraso nas entregas em um determinado número de clientes.
Soluções foram criadas para minimizar os impactos, mas houveram insatisfações. A empresa criou uma mensagem para desculpar-se pelos transtornos, mas alguns clientes poderão não perdoar, e retrair-se novamente quando quiser comprar pelo ecommerce. É o risco! E as empresas lidam com isso todos os dias.
Definitivamente aqui não se pode culpar ninguém, a estratégia foi bem montada, estava dando certo, mas houve um pico, e por mais que as alternativas para solucionar os problemas operacionais, atender ao pico de pedidos registrado era impossível no contexto do momento, com uma iminente greve de correios.
Enfim, a empresa agiu corretíssima, tanto na busca das soluções possíveis em nível de operações e logística, quanto ao respeito ao cliente e no entendimento da sua dor e insatisfação, criando outras oportunidades de produtos e serviços para os clientes insatisfeitos.
Portanto, o ecommerce é uma solução, mas todo o cuidado é pouco para não transformá-lo no seu maior problema.
Imagem: Pexels.com

MSc em Eng. e especialista em gestão empresarial